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Confissões/Reflexões

Ponto de fuga

Posted by Edgar on

Porque cada início
é só continuação,
e o livro das ocorrências
está sempre aberto ao meio.

Wislawa Szymborska

Não se engane, ponto de fuga é onde as coisas se encontram… lá na perspectiva, o ponto de fuga é aquele lugar para o qual retas paralelas convergem. Tá certo, você vai me dizer que as retas paralelas nunca se encontram, afinal, por serem paralelas, tendem ao infinito sem nunca se encontrarem, dirá ainda que o ponto de fuga é um elemento representativo de um espaço tridimensional numa superfície bidimensional, blá, blá, blá… é, talvez você tenha razão! Talvez não… será?

Bem, pessoas não são objetos geométricos. Pessoas se encontram. Pessoas se desencontram. Às vezes os pontos de fuga são exatamente o que um mal entendedor de geometria entende, uma porta de escape, uma brecha no espaço para, como dizia o leão naquele antigo desenho, um saída estratégica pela esquerda (calma, amigo, nada que ver com política).

Nessa longa estrada da vida já me desencontrei diversas vezes. Diversas vezes perdi o rumo, fugi. Noutras a vida simplesmente me pôs para correr. E, sejamos honestos, houve vezes em que eu fiquei inerte, vendo a vida passar tão rápido quanto o trem observado num dos exemplos teóricos daquele cientista descabelado, o Einstein. Tudo é relativo. Por isso, a perspectiva na geometria necessita de um ponto de fuga, um local para onde tudo converge…

Bom, pessoas encontram-se. Às vezes, pessoas vão de encontro umas ás outras. Noutras vezes, vão ao encontro. Lembro daquela aula no mestrado, aquela na qual o professor explicava a diferença de ir de encontro e de ir ao encontro. Ele fazia gestos didáticos com as mãos, enfatizando que ir de encontro era chocar-se e, por outro lado, ir ao encontro era unir-se. Eu, lá no fundo da sala, pensava “mas isso é tão óbvio, por quê ele está explicando isso?”. Ele queira mostrar que no estudo de teorias e pensadores, existem ideias que vão de encontro e ideias que vão ao encontro… pessoas também.

Já bati de frente com muito caboclo por essas bandas. Houve um tempo em que nos degladiávamos atrás de pipas munidos de nossas latas de óleo de cozinha, verdadeiras luvas de boxe metálicas capazes de fazer sorrir os dentistas do bairro com tantos dentes quebrados nas bocas de moleques arruaceiros. Eu era um deles. Já fui de encontro com gente na escola, no trabalho, na vida… hoje ando devagar, atento às manhas e às manhãs. Se for pra dar de cara, que seja a 5km/h e sem latas de óleo Lizza.

Já encontrei muita gente que me fez sofrer, gente que me fez chorar. Acredite, agora eu sei. Mas nem tudo na vida são dores. Já encontrei gente fantástica. Gente incrível. Gente extraordinária. Algumas aquela dama da foice levou. Outras simplesmente estão por ai, em outras paisagens. Pois a vida nos leva, nos traz. Lembre-se, meu caro, minha cara, para cada ponto de fuga, há um ponto de vista. Vemos a cena de um ângulo e, se o ângulo muda, muda o ponto de fuga. O lugar para onde tudo converge é relativo. Santo Einstein!

Lá na física do muito pequeno, das coisas quânticas, uns caras com nomes difíceis disseram sobre a incerteza. O ponto de fuga pode fugir às regras. Talvez nada convirja (confesso, precisei consultar o dicionário para conjugar o verbo convergir). Talvez o ponto de fuga seja só um artifício, uma esperança de que lá onde termina o arco-íris haja um pote de ouro. Que retas paralelas um dia se cruzem, ainda que para isso tenhamos que abdicar de Euclides e flertar com Boole. Ainda que tenhamos que descartar Descartes e salpicar a vida de Morin… já disse o Pessoa, citando Sagres: viver não é preciso!

Bom, você deve estar pensando “para onde tudo isso converge?”, já que o título do palavrório de hoje é Ponto de Fuga… pois bem, gafanhoto, converge para os olhos castanhos que me fitam em manhãs preguiçosas. Manhãs cheias de manha, de café de cápsula em canecas roubadas (uma delas, ao menos). Minha reta um dia cruzou com a dela e, pode espernear o quanto quiser, seguem paralelas e enroscadas, como o cabo de energia do secador dela, que eu consertei dia desses. Entrelaçadas num emaranhado quântico. Unidas por uma força que nem Einstein e nem sua gravidade explicam. Meu ponto de fuga é uma pessoa. E nela eu converjo, cortejo, convivo, conjugo, comungo, completamente nem ai com a geometria ou com a física ou com as grandes questões que assolam a humanidade.

Duvida? Bem, está tudo lá, no livro das ocorrências… 😉

E.

Confissões

Um texto para você sorrir.

Posted by Edgar on

And as you pulled to me whispered in my ear “don’t ever let it end” (Nickelback)

Não é estranho ler isso aqui? Porque para mim será estranho escrever algo para você sabendo que, virtualmente, o mundo inteiro poderá ler. Tá, eu sei, já posso ver sua carinha questionadora me fuzilando, o mundo inteiro é exagero. Mas ainda assim, é estranho saber que essas palavras não serão apenas suas.

E você, que lê isso aqui, pode ficar meio perdido, com aquela sensação de ter pego a conversa andando, mas não se preocupe, não é para entender mesmo, apenas aprecie as palavras 😉

Lembra quando eu te dei aquele livro de fotos do Ferrer com textos do Neruda? Eu não estava certo se você ia gostar do livro, então resolvi escrever uma dedicatória na contracapa que ao menos valesse a pena guardar o livro. Sim, eu sei que você sabe disso, mas esse povo que nos lê não.

Pessoas são poesia. E você é a minha poesia. Sempre foi. Talvez alguém ai esteja se perguntando, “pessoas são poesia?”, pois sim, são. Lemos poesia em busca de encantamento, de emoção, de subterfúgios dessa realidade monótona que nos arrasta. Pessoas são poesia, mas precisam ser lidas como tal.

O que eu vi em você? A pergunta inicial de todo relacionamento. Discutimos isso durante muitas madrugadas, iluminados apenas pela tela do celular. O que você viu em mim? Poesia… É claro que eu te vi muita vezes, mas o que me fez me apaixonar por você não foi o que eu vi, foi o que eu li. Pessoas são poesia. Mas há que saber lê-las.

Não se lê poesia como quem lê o jornal durante o café da manhã. Poesia se lê nas linhas, entrelinhas, palavras, letras, na cor do papel, no cheiro que a atmosfera traz, nos sons que circundam o espaço e o tempo em que nossos olhos decifram àquilo que ali se mostra, a poesia. Qualquer um que já tenha mergulhado nos versos do Quintana e voltado à tona sem ar sabe do que estou falando. Se não sabe, mergulhe.

Mergulhar, certa vez eu fiz um curso de mergulho. Aulas teóricas sobre os equipamentos, sobre os cuidados em mar aberto como, por exemplo, não fazer uma selfie com um tubarão — sim, eu também pensei isso, quem em sã consciência iria fazer uma selfie com um tubarão? Aulas práticas na piscina, ambiente controlado, sem tubarões e, quando você está pronto, vem o batismo. Mergulhar pra valer. Mas não era disso que eu queria falar…

Lê-se poesia de forma única. Busca-se na poesia a sonoridade das palavras, seus sentidos ocultos. No que pensava Pessoa quando escreveu que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”? O que pensa cada pessoa que lê Pessoa? Pessoas são poesia, há que saber lê-las.

Eu lia você naquelas manhãs sonolentas. Lia seus contornos, seus trejeitos, seus bocejos, seus olhares, sua maneira única de enrolar o cabelo e, minutos depois, ele desmoronar novamente no seu rosto. Lia a sua letra miúda. E entre tantas leituras, o que eu via? Beleza. Sim, beleza. E não adianta insistir, você é linda.

Lemos beleza nas pessoas. Não esse tipo de beleza plastificada, inventada pelas novelas. Eu falo da beleza poética, aquela que transforma palavras soltas, que ordeiramente se enfileram nos dicionários, em sentimentos profundos. Falo da beleza que só se conjuga nos olhares de quem, para além da gramática, busca nas palavras, ou nas pessoas, mais do que elas aparentam.

Suas mãos são poesia. E nelas há uma beleza oculta, que só pode ser lida quando nossos olhos buscam poesia. A forma delicada como você desfia o pão na chapa que comemos vez ou outra naquele posto na estrada. A musicalidade dos seus dedos enquanto eles se entrelaçam nos seus cabelos enquanto você diz que precisa trocar de xampú. A eletricidade que percorre minha pele quando sua mão me toca quando estamos passeando de carro. Todos momentos banais para olhos que buscam a concretude da realidade. Gestos poéticos para quem ajusta os olhos para o que realmente interessa…

E sua beleza me encanta. Me encanta ler-te todas as vezes que estamos juntos. Me encanta cada singelo momento em que posso contemplar os detalhes da sua pele, cada pinta, cada curva. Me encanto com seu sorriso, e com o som da sua risada, normalmente rindo de mim e das minhas piadas toscas ou das minhas histórias. Me encanto com o silêncio do seu olhar. Olhar que consegue dizer em um segundo o que eu não consigo expressar direito em cem mil palavras. Seu rosto me encanta, a cicatriz sobre o nariz que, por motivos distintos, temos igual. O contorno dos teus lábios. Me encanto com o som da sua voz perguntando “tudo bem com você?” sempre que você entra no carro.

Você é poesia. E ler-te é meu momento preferido. Escrever é minha forma de te fazer saber sobre todas as emoções que pulsam aqui dentro… as vezes você me diz que não sabe o que dizer, como responder às coisas que escrevo, e eu te digo, “seu sorriso é a melhor resposta”. Este é um texto para você, para te fazer sorrir 🙂

Você é minha poesia.