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Poemas e Poesias

Pobre lua

Posted by Edgar on

Pobre lua, sozinha a orbitar.
Desculpe-me, não sou poeta.
Não comporei ode ao seu luar.

Não que não sejas bela!
Tu sabes, lua.
É que a tua é menor que a dela.

Ela, ó lua!
Ela me encanta.
Não te zangues.

Te quero bem.
Mas ela,
Ela me tem.

E.

Crônicas

Café gelado…

Posted by Edgar on

Fiz tudo certo. Coloquei a cápsula na máquina, ajustei a caneca, a sua. Sim, quando você não está por aqui eu uso a sua caneca. É nela que eu bebo o meu café. Há muitas canecas aqui, e você dirá que são todas minhas, é verdade. Mas desde o primeiro café com você, essa sempre foi a sua caneca. Apertei o botão, o verde.

Abri os olhos. A claridade do dia que nascia já se fazia notar. Teu ombro desnudo me convidava a percorre-lo. Me permiti admira-lo por alguns segundos antes de projetar meu corpo sobre o seu, antes de seguir o contorno do teu ombro com meu rosto, roçando-te a pele com meus lábios, deslizando-me sobre a curva do teu pescoço, antes de sussurrar-te “bom dia” para, em seguida, afundar-me nos teus cabelos. Longos sorrisos estampados nos travesseiros.

Lá fora, a tarde vinha com uma chuva intensa. Diferente daquela chuvinha da manhã, mais calma, suave como teus beijos em meu rosto. Intensa, a chuva ao cair no cair da tarde respingava sobre a janela. Pequenas gotas de suor sobre nossos corpos intensos. Pequenos trovões ofegantes reverberando em lençóis amassados.

Quando dei por mim, a chuva despedia-se com umas poucas gotas aqui e ali. Na caneca, o café gelado, esquecido, testemunha da minha vontade de você. Troquei a cápsula, troquei a caneca, agora a minha. Apertei o botão, o verde…

Crônicas

Tobias

Posted by Edgar on

Tobias olhou para os dois lados do galpão. Primeiro o esquerdo, depois o direito. Certificou-se que nenhuma alma testemunharia sua covardia.

Há tempos Tobias era saco de pancadas na firma. Todos, sem exceção, zombavam dele. Uns descaradamente, outros, pelas costas, nas conversas ao redor da mesa do café. Até mesmo dona Judith, a copeira, aquela doce senhorinha que, de hora em hora, renovava o café nas garrafas térmicas. Café que aromatizava o escárnio sobre Tobias. Justo ela, agora, puxava o corredor polonês das palavras. Palavras baixas, palavras que vertiam fel. Dona Judith, pensou Tobias. Seria ela, ou melhor, através dela, que Tobias se vingaria. Sim, seria o café o veículo da sua vingança. Café que ele, Tobias, sequer gostava. Nunca fora dado aos fetiches do café. Nunca compreendeu direito as aglomerações e conversinhas em torno do café. Embora nunca tenha sido chamado a bebê-lo com os demais, achava-o ruim. Certa vez, sem que ninguém o visse, bebericou uma ou duas gotas. Foi o suficiente para que o asco lhe tomasse. O café lhe enjoava. Não o de dona Judith, mas qualquer café. Talvez por isso, pelo desprezo ao café, tenha sido justamente o café o seu eleito. Escrutinou a memória em busca do horário de maior movimento no canto do café. O canto asqueroso onde pessoas asquerosas diziam: Até quando vamos aturar o Tobias? Vejam, lá vem o Tobias, credo. Sai daqui, Tobias, ninguém te quer. Jurandir, o porteiro, todos os dias esperava, de tocaia, a chegada de Tobias. Tão logo Tobias lhe dava às costas, cuspia-lhe. Não um cuspe qualquer, mas daqueles, catarrentos, cuja a viscosidade impregnava quem dele fosse alvo. E o alvo era sempre Tobias. Às vezes errava, às vezes acertava. E em ambos os casos, Tobias seguia em silêncio, escravo de sua condição. Quando o dono da firma estava por perto, todos se faziam de bons-moços, uns até verbalizavam, hipócritas, uma saudação ao Tobias na frente de seu Cróvis. Sim, Cróvis, com erre mesmo. Na certa, um erro de registro. Seu Cróvis nascera na roça, em tempos outros. Mas, calma lá, a história é sobre o Tobias! E Tobias tinha a afeição de seu Cróvis. Era o único que se achegava no canto de Tobias, estrategicamente colocado, pelos demais, o mais distante possível da mesa do café. Mas seu Cróvis, depois de percorrer o galpão, recolhia-se em seu escritório, contabilizar a empresa. Tobias, longe de seu protetor, voltava a ser alvo dos olhares maldosos, das palavras virulentas. O café! Tobias arquitetava seu plano há dias. O melhor horário: após o almoço. Ao meio-dia todos se ausentavam para comer no restaurante próximo. Todos, menos dona Judith, que almoçava ás treze horas. Havia uma pequena janela de tempo, cinco minutos. Era o tempo entre dona Judith deixar o café pós-almoço coando na cozinha e ir buscar as garrafas térmicas na mesa do café. A maioria, logo após a volta do almoço, já rondava o canto do café. A porta da cozinha não se via de lá. Tobias teria exatos cinco minutos para sair do seu canto sem ser percebido, adentrar na cozinha e realizar sua vendetta.

Tobias olhou para os dois lados do galpão. Primeiro o esquerdo, depois o direito. Certificou-se que nenhuma alma testemunharia sua covardia. Caminhou sereno até uma pilha de caixas e esperou dona Judith sair da cozinha em busca da garrafa térmica. Fora do campo de visão de todos, Tobias entrou pela porta, saltou sobre a mesa, saltou para a pia e, diante do coador de pano que vertia o negro líquido para um canecão, ergueu a pata traseira e, com uma feição quase humana, com um sorriso de Monalisa, diriam, deixou verter sua urina, que ele segurava desde a manhã, para dentro do coador. Contou mentalmente os minutos e, ainda que lhe restassem mais alguns mililitros, saltou da pia direto ao chão, esgueirou-se pela porta e, novamente oculto pela pilha de caixas, passou despercebido por dona Judith, que cantarolava uma antiga canção enquanto trazia as garrafas térmicas vazias. Seguindo o ritual de sempre, dona Judith encheu ambas as garrafas, em uma delas, antes, adicionou as habituais colheradas de açúcar, afinal, era preciso agradar ambos os públicos, os da doçura e os da amargura. Garrafas cheias, voltou à mesa do café, saboreá-lo com os demais colegas.

Tobias ainda era filhote quando seu Cróvis o resgatou. Fora vitima da crueldade de uma bando de adolescentes. Haviam queimado-o plástico derretido, dado-lhe algumas pancadas com galhos de árvore e largado à beira da morte à beira da estrada. Perdera mais da metade dos pelos, tinha uma orelha partida ao meio e faltava-lhe um olho. Desde Seu Cróvis deu-lhe os cuidados necessários e um canto para ficar. E, do seu canto, agora, Tobias via seus algozes maldizendo o café de dona Judith. Mas que porcaria é essa? Experimenta isso, sua velha louca. O quê você colocou aqui? Em poucos minutos, dona Judith, a doce senhorinha que, de hora em hora, renovava o café nas garrafas térmicas, sentiu na pele a maledicência da qual somente um bicho humano é capaz. Tobias acompanhou-a com os olhos até a cozinha. Ouviu-a chorar e lamentar, entre suspiros, que aquilo, a forma como fora tratada, não se fazia nem com um cachorro. Seu Cróvis, que descia para o café, foi alertado. Estava um lixo, tinha gosto de urina, disseram-lhe. A caminho da cozinha, pronto a confortar dona Judith, seu Cróvis percebeu que Tobias não estava em seu canto. Chamou-o uma vez. Duas vezes. Três vezes. Nada.

Tobias, livre de sua covardia, havia ganhado o mundo, embora ainda estivesse a apenas dois quarteirões do galpão.