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Confissões/Filosofadas/Reflexões

Você é milionário?

Posted by Edgar on

Você é milionário, perguntou-me o menino que brincava no parque. Milionário, eu? Porque você acha isso, perguntei ao garoto. Esse seu óculos é de milionário, respondeu com naturalidade. Eu estava com um desses óculos de bancas de shopping, longe de ser de milionário… a não ser que o menino estivesse se referindo ao Milionário da dupla sertaneja! Ele estava só, brincava com um galho fino de algum arbusto. Você mora no meu prédio, eu disse ao garoto. Naquele, apontou com o arbusto enquanto seu rosto tentava fugir do sol que o ofuscava. Sim, aquele. Você é meu vizinho. É, eu já te vi por lá. Bom, eu vou embora, e estendi a mão em sinal de cumprimento. Você vai dar uma volta, disse ele apertando dois de meus dedos, pois sua pequena mão não dava conta da minha. Sim, vou andar um pouco. Tchau. Tchau.

Caminhei alguns metros até a portaria pensando que um dia eu já fui como aquele garoto. Uma simples criança brincando sozinha num canto qualquer. Uma criança com uma imaginação milionária. Talvez ele tenha visto em algum filme ou novela algum bacana bom de grana com um óculos igual o meu, talvez ele apenas tenha inventado de usar a palavra milionário com o primeiro transeunte que desse a sorte de cruzar a luta de espadas que ele encenava com o pequeno galho pouco antes de me notar. Talvez ele apenas quisesse puxar papo. Há, ainda, a chance de um LP de Milionário e José Rico estar dando sopa na casa de uma das avós. Muitas possibilidade…

Possibilidades. É, um dia eu já fui como ele. Hoje sou o vizinho antissocial que mal sabe o nome das pessoas que moram no meu andar. Hoje sou o professor que nunca guarda o nome dos seus alunos. Hoje sou apenas mais um dentre milhares de pequenos escritores que de quando em quando joga na grande rede um punhado de letras, um bocadinho de palavras. As trilhas seguidas até aqui foram tantas, mas não era disso que eu quero falar.

Certa vez, caminhando pelas areias da praia de Mongaguá, encontrei uma garota que havia estudado comigo em alguma série que me escapa neste momento. Eram uma época difícil para mim, por sorte, minha tia/madrinha me deixava ficar na sua casa no litoral enquanto ela viajava com o filho. Época em que eu não tinha a menor ideia do meu futuro. Péssimo aluno, sem muitos amigos, sem planos ou projetos claros para o futuro, eu apenas existia. Naquela tarde, caminhando sem pensar em nada, catando uma ou outra concha quebrada na areia, esbarrei com ela. Oi. Oi. Passando as férias aqui também? Pois é. Eu estou naquele prédio, e você. Ali. Vai na feirinha hoje a noite? Acenei que sim com a cabeça. Legal, a gente se vê, então. Ela se aproximou e beijou meu rosto. Tchau. Tchau.

Dias atrás, um amigo me indicou para umas aulas. Respondi o email. Marcou-se uma reunião. É engraçado como mesmo depois de 21 anos de sala de aula, eu ainda fico nervoso em uma entrevista. Boa tarde, apertos de mão. Me fale da sua experiência. Já fiz um pouco disso, um pouco daquilo. Esta é a ementa. Tranquilo, já leciono esses conteúdos. As aulas são tal dia. Puxa, tal dia não posso. Ah, que pena, queríamos que você trabalhasse conosco. Quem sabe semestre que vem. Entramos em contato. Até logo. Até logo.

Um dia eu acordei convicto de uma coisa. Coisa besta, obviamente. Fui até uma loja de brinquedos e compre um jipe de controle remoto. Mal a luz da bateria mudou de vermelha para verde e lá estava eu, no quintal, fazendo o jipe zero-bala capotar no concreto, na grama, no porcelanato da sala. Olhei para a câmera digital e um “e se” iluminou-se na mente. Um pouco de durex e fita isolante e o jipe agora gravava o seu trajeto. Eu acho que o video ainda está no youtube…

Ela desceu as escadas em silêncio. A família toda dormia nos quartos de cima, eu me ajeitava com o sofá da sala. Era dia de eu ir embora. Ela tinha uma lágrima nos olhos. Eu sabia, aquela seria a última vez que eu dormiria naquele sofá. Tudo passa, diria Heráclito, mas nessa época eu ainda não o conhecia. Fiquei na rodoviária, com cara de choro. Perdi o primeiro ônibus. O próximo só às 16h. Fui andar pela orla.

Uma madrugada de conversa mediados por telas e teclados. Uma outra madrugada em meio a outras centenas de pessoas, igualmente de conversa. Na primeira madrugada falamos de coisas como se fossemos amigos de longa data. Na segunda, tentávamos não demonstrar que era, tecnicamente, a segunda vez que nos víamos. Hoje deixo meus chinelos na sua casa.

É, carinha. Preciso te dizer uma coisa. Sim, eu sou milionário. Não de dinheiro, mas de possibilidades. Talvez seja isso que eu diga ao menino que mora no meu andar. Talvez não, talvez apenas deixe ele viver as possibilidades dele. Talvez.

E.

Filosofadas/Reflexões

Ações e Reações…

Posted by Edgar on

Ainda que não possamos ver, cada tênue movimento de nossos corpos desloca o ar em nossa volta. Sutil, todo movimento reverbera. Aprendi isso ainda jovem, quando um passo em falso me lançou contra quase um tonelada em movimento. O impacto desligou-me. Mas não era disso que eu queria falar.

Agir por impulso, dizem os oráculos, é uma característica dos da minha espécie. Impulsos é a quantidade de movimento de um objeto, por sua vez, esse movimento é resultante da aplicação de uma força. Física básica, mas eu não manjo nada de física, ou quase nada.

O que nos move? O que te impulsiona? Dinheiro, fama, poder, sexo, amor, solidariedade, dó, compaixão, raiva, ódio… o que te empurra para o abismo? Abismo? Sim, parece trágico. Poderia ser ao paraíso, mas eu duvido que o paraíso exista, o impulso para às portas do céu, se eficiente, nos deixará em órbita, sem controle; se ineficiente, nos fará cair na mesma velocidade, uma queda impactante, eu diria… devagar, divagando!

Ando em conflito com minha natureza impulsiva. Ando pensando mais, ponderando, calculando… sinais de velhice, dirão uns. Sinais de muitas cicatrizes, dirão outros. Mimimi, dirá a maioria. Pois nada mais conveniente à maioria que fórmulas mágicas para os problemas alheios. Quem quer vai e faz. Segura na mão de deus. É melhor se arrepender do que fez que do que não fez… blá blá blá. Quando é o seu buraco, sempre o buraco é mais embaixo… buraco, abismo, sacou?

Então, me chame de covarde. Pois a covardia é outro nome para a sabedoria. Mentira, não é. Mas daria um bom ditado popular, desses que muita gente inadvertidamente copia e cola. A covardia é um reflexo. Uma reação. Há sempre um algo que desperta o covarde. Dito de outra forma, só se é covarde perante uma ação. Isolada, a covardia não existe. O mesmo vale para a coragem. Mas este texto não é sobre coragem.

Um dos males de quem se mete a programar computadores é pensar de forma lógica. Bom, nem todos. A maioria, talvez. São tantos desvios condicionais que você se pega fazendo não só o algoritmo da coisa, mas aplicando no mesmo um teste de mesa, debugando, para ser mais contemporâneo. Mas a gente sempre esquece de um ponto-e-vírgula. Chega, esse papo está ficando muito restrito.

Emoções são cavalos selvagens. Eu li isso num livro do Paulo Coelho (mea culpa, vou me chibatar, já volto).

Quando você monta um cavalo selvagem, já era, não há rédeas, ele simplesmente faz o que quer. E você, amigão, já era. Eu só nunca compreendi como se monta um cavalo selvagem, pois, em tese, ele há de disparar antes de você subir nele, não depois… bem, olha o programador analisando a coisa…

O movimento do outro produz reverberações. Tudo repercute. Cada ato nosso provoca um abalo sísmico ao nosso redor. Isso afeta a quem nos cerca e, por sua vez, quem nos cerca, ao reagir, provoca novos abalos. A vida é um pêndulo oscilando… e o pulso, ainda pulsa.

Eu olho em volta e vejo múltiplos pontos ondulatórios reverberando próximos ao meu centro de gravidade. Sinto-os todos, todos me afetam. Mas nem todos me impulsionam. O que me move?

Bem, não era sobre nada disso que eu queria dizer.

E.

Filosofadas

Microvidas

Posted by Edgar on

Sentei-me à mesa do escritório acompanhado de uma xícara de café. Na tela do computador, um universo de fragmentos. Uma frase aqui, uma foto ali, um verso, uma rima, uma canção, uma reclamação, uma indireta, uma direta, um lamento… como diria aquele amigo de outros tempos, e assim vai. Assim segue a vida, uma microvida, microscópica diante da imensidão de tudo aquilo que não cabe na resolução do monitor e, ainda assim, macroscópica frente a este segundo que acaba de passar. Microvida, uma vida pequena, pequenina, pequenininha. Uma vidinha? Não! A vida não se apequena no ciberespaço. Fragmentos. Nossas vidas acontecem em fragmentos e estes sim, são partículas, pequenas partes. Há aquela (micro)vida da escola, da universidade, do trabalho, da família, da boemia e até mesmo aquela (micro)vida da solidão. Vidas fragmentadas em pequenos momentos, frações. Fragmentada pelas horas que o relógio nos toma em cada uma das nossas microvidas, microcosmos, microcaos… Não, a vida não se apequena, ela é apenas um amontoado de pequenos momentos, tal qual os átomos quem nos compõem. O ciberespaço é só mais um espaço onde as microvidas transitam. Da tela do celular para o gole com os amigos, da tela do computador para os beijos da amada, da tela do notebook para os tiros deflagrados contra inocentes, por detrás de cada tela, uma microvida. A vida, aquela maior, a que se coloca nos cantos metafísicos da religião, essa vida escapa-nos pelo vão dos dedos. Essa, a macrovida, só pode ser pensada, ponderada, refletida, filosofada (filosofiada)… a vida é uma coleção de momentos. Este momento, no qual escrevo estas poucas palavras, é apenas mais um momento, uma microvida que faz sentido dentro dele e que, fora dele, talvez tenha a mesma importância que dois átomos de hidrogênio que perambulam por um quasar qualquer, a trilhões de anos-luz daqui… a pequeneza da vida não está na sua fragmentação, sua pequeneza, já disse o poeta, está n’alma, mas isso é assunto para outra microvida.

😉 EdGar

Filosofadas

Vale tudo, mas hoje não. Não na escola…

Posted by Edgar on

Paul Feyerabend foi um filósofo austríaco que se dedicou, em grande parte, à filosofia da ciência. Minha saudosa professora do mestrado, Maria Lúcia, me recomendou a leitura de sua biografia, coisa que eu, relapso, ainda não fiz. Maria Lúcia nos deixou, foi semear campos com seus heleantos em outras dimensões, e eu sinto que mesmo que eu venha a ler a biografia de Feyerabend, e eu vou, ela não terá o mesmo brilho que teria se eu pudesse discutí-la com minha professora. Mas não era sobre isso que eu ia falar.

Paul Feyerabend disse: ANYTHING GOES! Que na tradução mais comumente utilizada significa: vale tudo. Ele falava do método científico. Método, o meta ódos, o caminho através do qual, em grego. Método é o caminho que seguimos para realizar algo. Descartes, igualmente filósofo, porém francês e 328 anos mais velho que Feyerabend, também dedicou parte de seu trabalho filosófico à ciência. Descarte escreveu uma obra chamada O Discurso do Método, no qual descreve como se deve bem conduzir a razão na busca da verdade. Feyerabend, sem delongas, manda o método às quicas. Não, sejamos justos, ele não manda “o” método para as pontes que partem, mas a necessidade rígida de “um” método. Em suma, tudo vale. Crie o seu método, descarte Descartes e faça do seu jeito. Do it yourself. DIY. Mas não é sobre isso que eu quero falar.

Causa-me uma certa angústia quando eu ouço, em alto e bom som, na sala dos professores, uma criatura dizer que reprovou um trabalho por causa de um desvio de 0,5cm de erro no tamanho da margem da paginação do mesmo. Uma afronta à ABNT e suas sacrossantas normas. São nesses momentos em que a forma toma o lugar do conteúdo que eu respiro fundo, me levanto, procuro uma sala vazia e descarto-me. Fico pensando no aluno que foi colocado à margem por causa da margem. Eu entendo a necessidade de formalidades, elas são necessárias. Será que Descartes seguiu as normas da ABNT de sua época? Não sei. Creio que não. Reza a lenda que Descartes escrevia em latim quando queria agradar o clero, a ABNT da época. Mas quando queria ser mais livre, escrevia em francês. Por isso temos um plano cartesiano raramente reconhecido como obra de Descartes. Descartes em francês, Cartesius em latim. Chega de Descartes.

Paul Feyerabend. Levei uns bons anos para aprender a escrever seu nome direito. Curiosamente, assimilei a grafia de Nietzsche mais facilmente que Feyerabend. Certamente pronuncio errado. Anything goes! Pronuncio do jeito que eu quiser. Vale tudo. Deveria valer. Produzir conhecimento deveria ser um ato criativo, não normativo. A universidade, assim como a escola em todos os seus níveis, disciplinam a criatividade. De Paulo Freie a Ken Robinson, muita gente fala sobre isso. Estimular a criatividade. E, convenhamos, deixar as regras de lado, muitas vezes, é o elemento criativo.

“Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.”

Einstein é o autor da frase acima. É o que dizem. Se não for, dane-se. Ela vale por si só, não precisa do aval de Einstein. É óbvia. E, apesar da obviedade, ela é obliterada nas práticas docentes Brasil afora… descartada, segue-se fazendo-se do mesmo jeito, segundo o manual, dentro da caixa… deixando à margem os que não ABNTizam a margem. Marginais…

Desculpe, Paul. :/