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Confissões/Filosofadas/Reflexões

Você é milionário?

Posted by Edgar on

Você é milionário, perguntou-me o menino que brincava no parque. Milionário, eu? Porque você acha isso, perguntei ao garoto. Esse seu óculos é de milionário, respondeu com naturalidade. Eu estava com um desses óculos de bancas de shopping, longe de ser de milionário… a não ser que o menino estivesse se referindo ao Milionário da dupla sertaneja! Ele estava só, brincava com um galho fino de algum arbusto. Você mora no meu prédio, eu disse ao garoto. Naquele, apontou com o arbusto enquanto seu rosto tentava fugir do sol que o ofuscava. Sim, aquele. Você é meu vizinho. É, eu já te vi por lá. Bom, eu vou embora, e estendi a mão em sinal de cumprimento. Você vai dar uma volta, disse ele apertando dois de meus dedos, pois sua pequena mão não dava conta da minha. Sim, vou andar um pouco. Tchau. Tchau.

Caminhei alguns metros até a portaria pensando que um dia eu já fui como aquele garoto. Uma simples criança brincando sozinha num canto qualquer. Uma criança com uma imaginação milionária. Talvez ele tenha visto em algum filme ou novela algum bacana bom de grana com um óculos igual o meu, talvez ele apenas tenha inventado de usar a palavra milionário com o primeiro transeunte que desse a sorte de cruzar a luta de espadas que ele encenava com o pequeno galho pouco antes de me notar. Talvez ele apenas quisesse puxar papo. Há, ainda, a chance de um LP de Milionário e José Rico estar dando sopa na casa de uma das avós. Muitas possibilidade…

Possibilidades. É, um dia eu já fui como ele. Hoje sou o vizinho antissocial que mal sabe o nome das pessoas que moram no meu andar. Hoje sou o professor que nunca guarda o nome dos seus alunos. Hoje sou apenas mais um dentre milhares de pequenos escritores que de quando em quando joga na grande rede um punhado de letras, um bocadinho de palavras. As trilhas seguidas até aqui foram tantas, mas não era disso que eu quero falar.

Certa vez, caminhando pelas areias da praia de Mongaguá, encontrei uma garota que havia estudado comigo em alguma série que me escapa neste momento. Eram uma época difícil para mim, por sorte, minha tia/madrinha me deixava ficar na sua casa no litoral enquanto ela viajava com o filho. Época em que eu não tinha a menor ideia do meu futuro. Péssimo aluno, sem muitos amigos, sem planos ou projetos claros para o futuro, eu apenas existia. Naquela tarde, caminhando sem pensar em nada, catando uma ou outra concha quebrada na areia, esbarrei com ela. Oi. Oi. Passando as férias aqui também? Pois é. Eu estou naquele prédio, e você. Ali. Vai na feirinha hoje a noite? Acenei que sim com a cabeça. Legal, a gente se vê, então. Ela se aproximou e beijou meu rosto. Tchau. Tchau.

Dias atrás, um amigo me indicou para umas aulas. Respondi o email. Marcou-se uma reunião. É engraçado como mesmo depois de 21 anos de sala de aula, eu ainda fico nervoso em uma entrevista. Boa tarde, apertos de mão. Me fale da sua experiência. Já fiz um pouco disso, um pouco daquilo. Esta é a ementa. Tranquilo, já leciono esses conteúdos. As aulas são tal dia. Puxa, tal dia não posso. Ah, que pena, queríamos que você trabalhasse conosco. Quem sabe semestre que vem. Entramos em contato. Até logo. Até logo.

Um dia eu acordei convicto de uma coisa. Coisa besta, obviamente. Fui até uma loja de brinquedos e compre um jipe de controle remoto. Mal a luz da bateria mudou de vermelha para verde e lá estava eu, no quintal, fazendo o jipe zero-bala capotar no concreto, na grama, no porcelanato da sala. Olhei para a câmera digital e um “e se” iluminou-se na mente. Um pouco de durex e fita isolante e o jipe agora gravava o seu trajeto. Eu acho que o video ainda está no youtube…

Ela desceu as escadas em silêncio. A família toda dormia nos quartos de cima, eu me ajeitava com o sofá da sala. Era dia de eu ir embora. Ela tinha uma lágrima nos olhos. Eu sabia, aquela seria a última vez que eu dormiria naquele sofá. Tudo passa, diria Heráclito, mas nessa época eu ainda não o conhecia. Fiquei na rodoviária, com cara de choro. Perdi o primeiro ônibus. O próximo só às 16h. Fui andar pela orla.

Uma madrugada de conversa mediados por telas e teclados. Uma outra madrugada em meio a outras centenas de pessoas, igualmente de conversa. Na primeira madrugada falamos de coisas como se fossemos amigos de longa data. Na segunda, tentávamos não demonstrar que era, tecnicamente, a segunda vez que nos víamos. Hoje deixo meus chinelos na sua casa.

É, carinha. Preciso te dizer uma coisa. Sim, eu sou milionário. Não de dinheiro, mas de possibilidades. Talvez seja isso que eu diga ao menino que mora no meu andar. Talvez não, talvez apenas deixe ele viver as possibilidades dele. Talvez.

E.

Confissões/Reflexões

Ponto de fuga

Posted by Edgar on

Porque cada início
é só continuação,
e o livro das ocorrências
está sempre aberto ao meio.

Wislawa Szymborska

Não se engane, ponto de fuga é onde as coisas se encontram… lá na perspectiva, o ponto de fuga é aquele lugar para o qual retas paralelas convergem. Tá certo, você vai me dizer que as retas paralelas nunca se encontram, afinal, por serem paralelas, tendem ao infinito sem nunca se encontrarem, dirá ainda que o ponto de fuga é um elemento representativo de um espaço tridimensional numa superfície bidimensional, blá, blá, blá… é, talvez você tenha razão! Talvez não… será?

Bem, pessoas não são objetos geométricos. Pessoas se encontram. Pessoas se desencontram. Às vezes os pontos de fuga são exatamente o que um mal entendedor de geometria entende, uma porta de escape, uma brecha no espaço para, como dizia o leão naquele antigo desenho, um saída estratégica pela esquerda (calma, amigo, nada que ver com política).

Nessa longa estrada da vida já me desencontrei diversas vezes. Diversas vezes perdi o rumo, fugi. Noutras a vida simplesmente me pôs para correr. E, sejamos honestos, houve vezes em que eu fiquei inerte, vendo a vida passar tão rápido quanto o trem observado num dos exemplos teóricos daquele cientista descabelado, o Einstein. Tudo é relativo. Por isso, a perspectiva na geometria necessita de um ponto de fuga, um local para onde tudo converge…

Bom, pessoas encontram-se. Às vezes, pessoas vão de encontro umas ás outras. Noutras vezes, vão ao encontro. Lembro daquela aula no mestrado, aquela na qual o professor explicava a diferença de ir de encontro e de ir ao encontro. Ele fazia gestos didáticos com as mãos, enfatizando que ir de encontro era chocar-se e, por outro lado, ir ao encontro era unir-se. Eu, lá no fundo da sala, pensava “mas isso é tão óbvio, por quê ele está explicando isso?”. Ele queira mostrar que no estudo de teorias e pensadores, existem ideias que vão de encontro e ideias que vão ao encontro… pessoas também.

Já bati de frente com muito caboclo por essas bandas. Houve um tempo em que nos degladiávamos atrás de pipas munidos de nossas latas de óleo de cozinha, verdadeiras luvas de boxe metálicas capazes de fazer sorrir os dentistas do bairro com tantos dentes quebrados nas bocas de moleques arruaceiros. Eu era um deles. Já fui de encontro com gente na escola, no trabalho, na vida… hoje ando devagar, atento às manhas e às manhãs. Se for pra dar de cara, que seja a 5km/h e sem latas de óleo Lizza.

Já encontrei muita gente que me fez sofrer, gente que me fez chorar. Acredite, agora eu sei. Mas nem tudo na vida são dores. Já encontrei gente fantástica. Gente incrível. Gente extraordinária. Algumas aquela dama da foice levou. Outras simplesmente estão por ai, em outras paisagens. Pois a vida nos leva, nos traz. Lembre-se, meu caro, minha cara, para cada ponto de fuga, há um ponto de vista. Vemos a cena de um ângulo e, se o ângulo muda, muda o ponto de fuga. O lugar para onde tudo converge é relativo. Santo Einstein!

Lá na física do muito pequeno, das coisas quânticas, uns caras com nomes difíceis disseram sobre a incerteza. O ponto de fuga pode fugir às regras. Talvez nada convirja (confesso, precisei consultar o dicionário para conjugar o verbo convergir). Talvez o ponto de fuga seja só um artifício, uma esperança de que lá onde termina o arco-íris haja um pote de ouro. Que retas paralelas um dia se cruzem, ainda que para isso tenhamos que abdicar de Euclides e flertar com Boole. Ainda que tenhamos que descartar Descartes e salpicar a vida de Morin… já disse o Pessoa, citando Sagres: viver não é preciso!

Bom, você deve estar pensando “para onde tudo isso converge?”, já que o título do palavrório de hoje é Ponto de Fuga… pois bem, gafanhoto, converge para os olhos castanhos que me fitam em manhãs preguiçosas. Manhãs cheias de manha, de café de cápsula em canecas roubadas (uma delas, ao menos). Minha reta um dia cruzou com a dela e, pode espernear o quanto quiser, seguem paralelas e enroscadas, como o cabo de energia do secador dela, que eu consertei dia desses. Entrelaçadas num emaranhado quântico. Unidas por uma força que nem Einstein e nem sua gravidade explicam. Meu ponto de fuga é uma pessoa. E nela eu converjo, cortejo, convivo, conjugo, comungo, completamente nem ai com a geometria ou com a física ou com as grandes questões que assolam a humanidade.

Duvida? Bem, está tudo lá, no livro das ocorrências… 😉

E.

Confissões

55 metros quadrados…

Posted by Edgar on

Me dei conta, esses dias, que faz um ano que estou neste apartamento. Quando resolvi comprá-lo, minha principal preocupação era se eu me habituaria à vida em 55 metros quadrados! Sem quintal! Pois bem, o fato é que o ambiente compacto me agradou. Sou uma criatura acostumada a me deixar espalhado por ai, quanto menos espaço, menos bagunça! Mentira, a bagunça não tem limites… mas isso é outra história.

Eu já buscava uma forma mais minimalista (mais?) de viver. A limitação espacial contribuiu para o desapego de algumas quinquilharias. Os móveis planejados ajudam, otimizam o uso do espaço e, no fim das contas, o cubículo ficou funcional e aconchegante. Já tive uma casa de 200 metros quadrados, dois andares, garagem para 5 carros, quintal gramado e blá, blá blá… outros tempos. Não sinto falta. Já desenvolvi uma relação de afetuosidade com este cantinho.

Viver nos 55 metros quadrados tem sido divertido, já a vida em condomínio, essa sim me levou a outro nível de compreensão da humanidade…

Percebi que os donos de cães, por mais biodegradáveis que sejam as fezes dos seus entes queridos, não acham desagradável ver um cocozinho definhando até se cumprir a passagem do pó vieste ao pó voltarás… Ainda que se aponte o fato nos grupos das redes sociais, existe uma cumplicidade estranha. Ainda que sejam poucos os moradores que deixam ao deus dará os restos fecais de seus pimpolhos caninos, aqueles que não o fazem, suavizam o ato, pois, ao meu ver, vá que o seu totó deixe para trás aquele cocozinho justo no dia que o dono esqueceu a sacolinha… melhor é ver as crianças do condomínio, sobretudo as pequenas, vez ou outra, pegando o cocozinho seco achando que é uma pedrinha, um galhinho, ou sei lá o quê…

Por falar em crianças, escolhi o mesmo condomínio que todos os casais recém casados e com seus rebentos recém paridos escolheram… a depender do horário, há uma sinfonia de choros. Não me incomoda, falo sério. 20 anos morando na rua da feira, na esquina onde as cândinhas do bairro se punham a debater os detalhes das vidas alheias, criaram em mim uma tolerância ao burburinho. Às vezes, a noite, acordo com o som do choro de um bebê com dor de dente, barriga ou com pura birra. Tranquilo, aproveito para ver o Tinder, tentar dar uns likes, e volto a dormir…

Por falar em likes, fora os casais recém casados com seus rebentos recém paridos, há muitos estudantes. Afinal, meu condomínio fica a 500m de uma universidade pública. À época da compra, pensei, isso será um mar de bacanais, festas, orgias, gente pelada na piscina. Ledo engano. Acho que esses estudantes são todos um bando de CDFs… bom, quase todos, vez ou outra, no transcurso do estacionamento ao meu bloco, em um bloco em específico, a brisa que emana pelo passeio denuncia os rituais ao deus Jah… mas nada de universitárias nuas na piscina… talvez os filmes dos anos 80 tenham criado um campo de distorção da realidade neste jurássico que vos escreve…

E por falar em piscina. Nunca a usei. Esta lá. No único fim de semana que eu me aventurei a dar uma sapeada na piscina, descobri que eu e mais 108 pessoas, 107 não moradoras, tiveram a mesma ideia. Vale destacar que as dimensões da piscina comportam, talvez, 25 pessoas. Não é nem a alta concetração de urina na água que me desmotiva. Sou criatura aquática, adoro dar minhas braçadas, mergulhos e tals… mas, na companhia de 1 morador e seus 107 convidados, há o grande risco de acertar a careca do tio José numa braçada, ou de vir, num mergulho, de encontro ao nariz, agora ensanguentado, do netinho de vovó Valentina, ou, ainda, no limite do perigo, de ser encoxado por dona Marta, aquela dona Marta das tirinhas do Glauco, no diminuto espaço entre a escadinha e a quina da piscina…

Acho que deu por hoje!

E.

Confissões

Eu ia…

Posted by Edgar on

Eu ia escrever algo, mas resolvi guardar para mim.
Às vezes é assim, o texto brota na cabeça.
Numa curva ou outra do caminho para casa, as palavras ganham vida.
Já em casa, na segunda volta da chave na fechadura, surge o título.
Entre descalçar os tênis e pegar um copo d’água, algo acontece.
Login no MacOS… Login no WordPress…
Um suspiro. As palavras me jogam contra a parede.
O diálogo interno, um inferno.
Eu ia escrever algo.
Resolvi guardar…
Em mim.

E.

Confissões

Nem sonetos, nem poesias, nem canções…

Posted by Edgar on

A noite me convida a refletir, é hora de escrever. Escrever todo o fluxo de palavras que passei o dia, mais que moendo e remoendo, ruminando. Escrever é um despir-se…

Eu poderia invocar canções do Oswaldo, sonetos do Vinicius ou, ainda, poesias do Pessoa. Todas elas diriam algo sobre o que sinto e todas elas diriam nada sobre de quem sou. Despir-se, quando se trata d’alma, é um ato pessoal e solitário…

Minh’alma. Tormenta e tormento. Rodeios…

Momentos. É disso que a vida é feita. A vida é feita de momentos. E momentos são fragmentos que comportam duas propriedade, a saber: são únicos e são sinceros. Todo momento comporta uma exclusividade. Momentos são únicos. Puf, foi! Todo momento é uma expressão sincera d’alma. Momentos são verdadeiros. Se não forem, não são momentos, são simulacros.

As palavras ditas nos momentos que nos compõem têm vida, têm a energia vital, potência convertida em ato. Momentos não eram, nem serão, momentos apenas são. Olhar para os momentos de outrora nada mais é que uma releitura, registrados na memória, os momentos podem ser relidos, queridos ou odiados, mas jamais revividos. Buscar o momento no futuro é inútil. Não planejamos o momento, não o antecipamos, ainda que possamos acreditar que isso seja possível, pensar no momento que está por vir é a melhor forma de perder o momento que é.

A duração de um momento pode ser medida em termos físicos e psicológicos, mas em ambos os casos, há uma terceira propriedade do momento, a finitude. Momentos acabam. Não se extinguem, são sucedidos por novos momentos, nunca iguais, nunca repetidos e cujos significados não pode ser comparados.

Viver intensamente o momento depende de compreendê-los em sua natureza. Podemos tentar viver na lembrança do passado, podemos tentar viver na expectativa do futuro, mas o momento é a única forma real de viver.

Este texto, neste momento, não é um mea culpa.
Cada momento nosso foi único e sincero.
Me serão sempre queridos.

E.

Confissões/Reflexões

O som do silêncio…

Posted by Edgar on

And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more
People talking without speaking
People hearing without listening

The sound of silence, Simon & Garfunkel

Olá blog, meu velho amigo.

Meu silêncio te constrange, eu sei. Ultimamente tem sido mais fácil escrever nos murais sociais, expostos, postos de vigilância, locais de fácil acesso e fácil digestão. Locais onde o silêncio se implanta. Aquele silêncio tão profundo que o seu som se perde. Hoje eu acordei com o som daquele silêncio ecoando na minha mente. Na verdade, blog, eu o tenho ouvido em muitas manhãs. Sobretudo nessas últimas manhãs frias de um quase inverno, atípico, que nos soterra nas cobertas e draga toda a vontade de explorar o mundo. Nessas manhãs, imerso em meus pensamentos, o som pulsa mais forte. Perturbá-lo requer mais do que estamos dispostos a dar… tenho ouvido muito essa antiga canção. Já a ouvi muitas e muitas vezes desde minha adolescência, mas poucas vezes parei para escutá-la. Talvez hoje, blog, eu tenha melhores ouvidos para escutá-la. Seria uma forma poética de me confortar, mas isso não passa de uma bela mentira. Hoje, blog, o que eu tenho é um acumulo de imagens vistas nas ruelas de paralelepípedos que eu percorri. Imagens de uma vida que só coube a mim viver. Imagens e escuridão. Essa canção, The Sound of Silence, fala de coisas que eu custei a entender. Coisas que eu frequentemente esqueço. Por isso, caro blog, me desculpe a ausência, mas eu vim conversar com você novamente.

Há um emaranhado de coisas que brotam da mente. Um turbilhão de pensamentos que jamais serão registrados. Ideias que jamais ganharão corpo. E, no fundo, a pergunta que se desdobra em minha mente é: e que importância isso tem? Nenhuma? Pouca? Não sei. Talvez seja tudo uma questão de escala. No meu microcosmo, há muito o que dizer, mas hoje é um daqueles domingos em que eu acordo flutuando na imensidão do espaço sideral, onde a Terra é nada mais que um pálido ponto azul perdido entre tantos outros pontos de luz. Pontos que meu olhar insiste em ignorar, pois é a escuridão profunda do espaço que me chama à atenção. A matéria escura, os buracos negros. Nessa escala, nada do que eu tenho a dizer importa. Bilhões de anos me separam de uma singularidade. Trilhões de estrelas nascem e morrem sem que ninguém soubesse, saiba, ou venha a saber delas. O espaço é silencioso. E imerso nele, as palavras silenciam.

Assim como essas estrelas, a maioria de minhas ideias morrem dentro do meu microcosmo cerebral, sem que ninguém as ouça ou leia. E, sinceramente blog, isso pouco importa. Talvez o grande exercício da escrita seja o diálogo consigo mesmo. As pessoas, os outros, são apenas transeuntes numa avenida a qual todos transitam. Escritores de páginas que ninguém compartilha. Páginas que não se encontram nas listas telefônicas nem nos resultados do Google. Talvez, meu velho e caro blog, a única pessoa para a qual escrevemos é para nós mesmos. E isso me soa tão ridículo agora, pois você, blog, com quem eu converso agora, nem é uma pessoa. Talvez seja. Olá, escuridão.

O cursor piscando, as mãos sobrepostas sustentando o queixo. A tecla delete pressionada mais vezes que o desejado. A escrita me desafia. Olho para a janela e vejo as folhas verdes do grande parque que me cerca. Parque no qual eu deveria estar agora, respirando o ar fresco. Parque que ri dos meus cinquenta metros quadrados de espaço. Mas o parque também é um microcosmo insignificante diante da imensidão de um domingo como o que se forma dentro da minha mente. Alias, o parque é o refúgio de famílias corroídas pela poluição da cidade. Sorrisos falsos para fotos que irão passar a eternidade no cartão de memória. Falsos atletas que, como eu muitas vezes, diluem seus remorsos sedentários em duas voltas e pés sujos de terra. Falsos casais que desfilam de mãos dadas enquanto cobiçam os corpos que fazem cooper. Corpos falso, alias. O parque também está cheio do som do silêncio…

É, caro blog, foi bom te ver novamente.
Até um dia.

Confissões/Crônicas

Insetos & Luminárias

Posted by Edgar on

Uma da madrugada, sentou em frente ao notebook, fez login no blog e pensou que o silêncio da noite seria um bom companheiro de escrita. Ao fundo, dois cães latiam, um ou outro carro ao longe deixavam o seu rastro sonoro e ali, dentro dele, aquele zumbido estranho que o acompanhava em certos momentos. Escreveu uma frase sobre o zumbido, mas a apagou em seguida, não faria sentido para os leitores, pois estes teriam que estar dentro de sua cabeça para compreender aquele zumbido. O frescor da madrugada entrava por uma das janelas e junto com ele, um ou outro inseto. Lembrou-se que precisava de um inseticida, mas não anotou isso e sabemos que amanhã cedo já terá esquecido dessa necessidade. Mil ideias rodopiavam dentro de sua cabeça, mescladas ao zumbido e ao som de um caminhão que desceu a avenida. Nesta altura, o silêncio da noite se mostrou um péssimo companheiro. Minimizou o navegador, abriu o reprodutor de mídias e selecionou aquela velha banda dos anos 80. Seu alter ego desistiu, até então olhava quieto para mais uma tentativa de por nas linhas do blog as suas incertezas, seu medos, suas fragilidades. Aquela música do a-ha era um golpe de misericórdia em qualquer tentativa de lucidez. O zumbido continuava, mas o alter ego já se tinha posto a dormir. Embalado pela batida pop norueguesa, digitou e apagou a mesma frase pelo menos umas 10 vezes. Decidiu comer. A geladeira era uma vitrine de guloseimas, mas nada o apeteceu, sua fome era de outra coisa, era uma fome às avessas, queria por para fora tudo o que o perturbava naqueles dias, perturbação que tinha nome e sobrenome. Digitou, hesitou, apagou. Maldito covarde, disse para si mesmo. Voltou à geladeira, abriu uma lata de energético e matou-a em um só gole. Rá, agora sim, o alter ego despertou com tanta taurina inundando o sistema circulatório. Agora o bicho pega. Bichos, malditos bichos que entram pela janela, essas desgraças não dormem? Foi até o quarto, pegou um post-it, escreveu INSETICIDA e colou o post-it na porta, próximo a fechadura. O alter ego olhava de soslaio, sabia que aquilo era mais procrastinação que necessidade, mas ainda assim, sentindo a taurina fazer efeito, esperou por algo. De volta ao teclado, respirou fundo e releu tudo o que tinha escrito até agora. Maldito covarde, à merda com sua covardia. Fechou o reprodutor de mídias, chega de a-ha. Chega. Basta. Cadê o zumbido? Cadê os cães? Cadê os carros e insetos. Quando deu por si, estava imerso no silêncio da madrugada, o companheiro pretendido desde o início. Imerso naquele silêncio, deixou-se levar pela fluidez do momento. Não percebeu que enquanto estava longe, seu alter ego pôs-se a digitar loucamente, vomitando toda aquela angústia, todos os medos, raivas, desesperos. Digitou, digitou, digitou até a última gota de taurina evaporar nas asas do pégaso alucinado que voava ao redor da luminária. Subitamente o zumbido, os cães, os carros e os insetos voltaram com fúria. Na tela do notebook, dezenas de linhas surgiram do nada, linhas que esbofeteavam sua cara violentamente, linhas que o fizeram chorar. Apagou-as todas, apagou a luminária. Deslogou-se do blog, desligou-se do notebook. Deitou-se. Dormiu. Dormiu, mas antes pode ouvir seu alter ego dizer: covarde, maldito covarde!

Confissões

Se o seu pai pudesse escolher, você acha que o filho seria você?

Posted by Edgar on

Quando eu tinha meus 10 anos, lá pelos idos de 1983, ouvi I Love It Loud do KISS. Virei fã. Aos 10 anos de idade, nos anos 1980, éramos umas topeiras se comparados às crianças de hoje. Quando eu tinha 10 anos havia 5 canais de TV. Se acontecesse de cair um meteoro na URSS ou de um prédio sofrer um atentado terrorista, saberíamos disso 2 ou 3 dias depois. A informação caminhava mais lentamente nessa época. Mas, ainda assim, aos 10 anos de idade, eu conheci o KISS. Aos 12, enquanto eu saia de uma loja de discos com um vinil do KISS, ouvi um carinha mais velho, de uns 17 anos, dizer que eu era poser, que o KISS era uma bosta e que eu era viado por escutar aquela banda de bichas maquiados. O irônico é que ele vestia uma camiseta do Judas Priest. Foda-se, KISS é legal. Foi o que eu quis dizer, mas o medo de apanhar daquele cara foi maior e eu sai de fininho com a cabeça baixa.

No mundo do Rock/Metal sempre houve essa rixa. Sua banda é uma bosta. A minha é que é boa. Já me meti em altas discussões por conta disso. Aos 15 aprendi a tocar bateria. Bom, sejamos justos, tentei aprender. O que você sabe tocar? Paradise City do Guns’n Roses. Que lixo, seu bosta. Cara, eu me achava o máximo tirando uma música inteira na batera sem ter feito uma aula em escolas ou conservatórios, mas ou você tocava Master of Puppets sem nenhum erro ou você era um bosta. Eu era um bosta. Acho que sempre fui.

Quando entrei no colégio técnico a rixa transladou para as linguagens de programação. Você programa em quê? Dataflex. Dataflex? Que bosta. Bom mesmo é Object Pascal. Dataflex pagava meu salário (com o qual eu comprava discos do KISS), Object Pascal era a masturbação nerd da época. Ninguém entendia o que era Orientação à Objetos em 1991, poucos ainda entendem! Visual Basic? Lixo. Andar com um livro de C++ te tornava um semi-deus, assim como dominar as macros no Lotus 123. Eu sabia tudo sobre macros em Lotus 123, dava até aulas disso para os caras de uma série acima da minha, mas eu curtia KISS e programava em Dataflex. Eu era um bosta. Sempre fui.

A lista de coisas que eu faço ou sei que me enquadraram na categoria “você é um bosta” é longa. Não vale a pena cansar seus nervos óticos com ela. Depois de um tempo, com a maturidade que só o tempo proporciona, mas nem sempre, eu compreendi que sempre haverá alguém para te dizer que você é um bosta. Um familiar, um chefe, uma colega de trabalho, o cobrador do ônibus, aquela irmã gostosa do carinha que senta no fundão e, pasme, as vezes, você mesmo vai se dizer: você é um bosta. Eu sou.

A banda Detrito Federal, uma banda punk dos anos 1980, tinha uma música cujo refrão perguntava: se o seu pai pudesse escolher, você acha que o filho seria você? Toda vez que vejo um colega professor dizer que fulano é um bosta, pelo motivo que for, eu penso naquele moleque de 10 anos de idade curtindo I Love It Loud feito um babuíno com ataque epilético. Nunca fui o melhor aluno, repeti de ano duas vezes. Me meti em mais cagadas que a média nacional. Nunca fui exemplar em nada e, ainda por cima, ouvia KISS. Um bosta-mor.

Onde eu quero chegar? Lugar nenhum. Mentira. A história de cada um é cheia de escolhas que serão julgadas pelos outros. Pouco importa quanto você esteja apaixonado pelo que faz, sempre haverá quem diga que você é um bosta. Você faz cerveja? Sim. Segue a Reinheitsgebot? Não. Ah, você é um bosta. É implacável. Mas, sejamos justos, acreditar nisso, que você é um bosta, isso é opcional.

Beijo do bosta.

😉

Confissões

Um texto para você sorrir.

Posted by Edgar on

And as you pulled to me whispered in my ear “don’t ever let it end” (Nickelback)

Não é estranho ler isso aqui? Porque para mim será estranho escrever algo para você sabendo que, virtualmente, o mundo inteiro poderá ler. Tá, eu sei, já posso ver sua carinha questionadora me fuzilando, o mundo inteiro é exagero. Mas ainda assim, é estranho saber que essas palavras não serão apenas suas.

E você, que lê isso aqui, pode ficar meio perdido, com aquela sensação de ter pego a conversa andando, mas não se preocupe, não é para entender mesmo, apenas aprecie as palavras 😉

Lembra quando eu te dei aquele livro de fotos do Ferrer com textos do Neruda? Eu não estava certo se você ia gostar do livro, então resolvi escrever uma dedicatória na contracapa que ao menos valesse a pena guardar o livro. Sim, eu sei que você sabe disso, mas esse povo que nos lê não.

Pessoas são poesia. E você é a minha poesia. Sempre foi. Talvez alguém ai esteja se perguntando, “pessoas são poesia?”, pois sim, são. Lemos poesia em busca de encantamento, de emoção, de subterfúgios dessa realidade monótona que nos arrasta. Pessoas são poesia, mas precisam ser lidas como tal.

O que eu vi em você? A pergunta inicial de todo relacionamento. Discutimos isso durante muitas madrugadas, iluminados apenas pela tela do celular. O que você viu em mim? Poesia… É claro que eu te vi muita vezes, mas o que me fez me apaixonar por você não foi o que eu vi, foi o que eu li. Pessoas são poesia. Mas há que saber lê-las.

Não se lê poesia como quem lê o jornal durante o café da manhã. Poesia se lê nas linhas, entrelinhas, palavras, letras, na cor do papel, no cheiro que a atmosfera traz, nos sons que circundam o espaço e o tempo em que nossos olhos decifram àquilo que ali se mostra, a poesia. Qualquer um que já tenha mergulhado nos versos do Quintana e voltado à tona sem ar sabe do que estou falando. Se não sabe, mergulhe.

Mergulhar, certa vez eu fiz um curso de mergulho. Aulas teóricas sobre os equipamentos, sobre os cuidados em mar aberto como, por exemplo, não fazer uma selfie com um tubarão — sim, eu também pensei isso, quem em sã consciência iria fazer uma selfie com um tubarão? Aulas práticas na piscina, ambiente controlado, sem tubarões e, quando você está pronto, vem o batismo. Mergulhar pra valer. Mas não era disso que eu queria falar…

Lê-se poesia de forma única. Busca-se na poesia a sonoridade das palavras, seus sentidos ocultos. No que pensava Pessoa quando escreveu que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”? O que pensa cada pessoa que lê Pessoa? Pessoas são poesia, há que saber lê-las.

Eu lia você naquelas manhãs sonolentas. Lia seus contornos, seus trejeitos, seus bocejos, seus olhares, sua maneira única de enrolar o cabelo e, minutos depois, ele desmoronar novamente no seu rosto. Lia a sua letra miúda. E entre tantas leituras, o que eu via? Beleza. Sim, beleza. E não adianta insistir, você é linda.

Lemos beleza nas pessoas. Não esse tipo de beleza plastificada, inventada pelas novelas. Eu falo da beleza poética, aquela que transforma palavras soltas, que ordeiramente se enfileram nos dicionários, em sentimentos profundos. Falo da beleza que só se conjuga nos olhares de quem, para além da gramática, busca nas palavras, ou nas pessoas, mais do que elas aparentam.

Suas mãos são poesia. E nelas há uma beleza oculta, que só pode ser lida quando nossos olhos buscam poesia. A forma delicada como você desfia o pão na chapa que comemos vez ou outra naquele posto na estrada. A musicalidade dos seus dedos enquanto eles se entrelaçam nos seus cabelos enquanto você diz que precisa trocar de xampú. A eletricidade que percorre minha pele quando sua mão me toca quando estamos passeando de carro. Todos momentos banais para olhos que buscam a concretude da realidade. Gestos poéticos para quem ajusta os olhos para o que realmente interessa…

E sua beleza me encanta. Me encanta ler-te todas as vezes que estamos juntos. Me encanta cada singelo momento em que posso contemplar os detalhes da sua pele, cada pinta, cada curva. Me encanto com seu sorriso, e com o som da sua risada, normalmente rindo de mim e das minhas piadas toscas ou das minhas histórias. Me encanto com o silêncio do seu olhar. Olhar que consegue dizer em um segundo o que eu não consigo expressar direito em cem mil palavras. Seu rosto me encanta, a cicatriz sobre o nariz que, por motivos distintos, temos igual. O contorno dos teus lábios. Me encanto com o som da sua voz perguntando “tudo bem com você?” sempre que você entra no carro.

Você é poesia. E ler-te é meu momento preferido. Escrever é minha forma de te fazer saber sobre todas as emoções que pulsam aqui dentro… as vezes você me diz que não sabe o que dizer, como responder às coisas que escrevo, e eu te digo, “seu sorriso é a melhor resposta”. Este é um texto para você, para te fazer sorrir 🙂

Você é minha poesia.